O Eremita – Review | ProgLand

Thiago Meneses | Prog Land

Ultranova é uma banda que parece mostrar uma preocupação que vai além da habilidade técnica de seus músicos. O que realmente chama atenção é o equilíbrio entre profundidade musical e intenção artística. O grupo demonstra uma compreensão clara do que faz o rock progressivo ser tão instigante, mas sem ficar preso a fórmulas ou referências já consolidadas. Ao invés de apenas reproduzir a estética do gênero, eles o utilizam como ponto de partida para desenvolver uma linguagem própria e atual, além de sensível, do tipo que não se intimida diante do risco criativo.

Muitas vezes quem acompanha esse universo progressivo tende a voltar seu olhar para cenas estrangeiras, inclusive, se dando o trabalho de buscar descobertas em países pouco visados, como se o frescor do gênero estivesse sempre escondido em algum canto remoto do globo. No entanto, acabamos esquecendo de olhar com atenção para o que floresce por aqui mesmo, em solo brasileiro. Eis aqui um exemplo claro disso: uma banda que mostra ser possível encontrar produções sofisticadas e com identidade dentro do nosso próprio território, dialogando com a tradição progressiva mundial sem perder o sotaque local.

Com isso em mente, “O Eremita”, segundo disco da banda, chega oito anos após o álbum de estreia, soando como um passo seguro na sua trajetória. O disco mostra um grupo maduro, com um olhar cuidadoso para os detalhes e para o peso narrativo de cada composição. Há um investimento evidente na construção de atmosferas e no desenvolvimento gradual das ideias, além da forma como cada faixa contribui para a sensação de percurso e continuidade. Ao longo do álbum, é possível perceber que a banda não busca apenas impactar pelo virtuosismo, mas pela maneira como a música convida à reflexão, à contemplação e à escuta profunda, ainda que de uma maneira 100% instrumental.

“Odisseia para Sirius” abre o disco com uma faixa que faz jus ao nome. Com pouco mais de nove minutos, a banda propõe uma viagem sonora que lembra os filmes de ficção científica de um passado um pouco distante, além de entregar uma pegada futurista e ao mesmo tempo nostálgica. O uso de sintetizadores cinematográficos e a forma como cada elemento surge com naturalidade reforçam a atmosfera.

“Solaris” se desenvolve como uma peça que valoriza a paciência e o cuidado nos detalhes. O foco está na construção de atmosferas em vez de momentos de explosão. A guitarra surge quase como uma voz solitária no espaço, enquanto os teclados acrescentam brilho e expandem o ambiente.

“Abracadabra” se destaca pelo groove marcante, sendo uma das faixas mais diretas e pulsantes do disco. O baixo guia a música com firmeza, enquanto a percussão e a guitarra adicionam energia, sem perder o clima cósmico e viajado.

“Samsara” traz um piano introspectivo e uma pegada jazzística, equilibrando contrastes com naturalidade. É uma faixa que mostra o grupo explorando contrastes sem soar forçado.

“O Regresso” surge como uma cadência fluida e serena, destacando-se pela atmosfera etérea e pelo uso das vocalizações como textura.

“O Horizonte de Ventos” é um dos pontos mais intensos e enérgicos do álbum, com órgão poderoso e uma rítmica pulsante, criando uma sensação de tensão contínua.

“O Eremita” (faixa-título) entrega uma combinação entre a introspecção e a pulsação rítmica, com guitarras e órgão guiando o clima emocional. O sintetizador final adiciona um toque de expansão e leveza.

“Aquântica”, em sua versão ao vivo com o Trio Manari, amplia a força rítmica amazônica, fundindo percussões com timbres cósmicos em uma peça que soa dançante e profunda ao mesmo tempo.

No geral, “O Eremita” mostra que a Ultranova está mais interessada em construir experiências do que apenas impressionar. É um disco que soa coeso, com arranjos que respiram e criam uma escuta envolvente.

No fim das contas, o disco vai além de ser apenas um bom álbum de rock progressivo. É um trabalho que mostra que ainda há muito a ser explorado quando intenção e sensibilidade andam lado a lado. A Ultranova entrega um álbum que dialoga com a tradição mundial sem perder sua identidade local, conquistando tanto quem busca sofisticação quanto quem só deseja uma boa viagem sonora.